História

Mártires da SIDA

Área de Projecto - SIDA


Adriana Nobre, Ana Elói, Beatriz Laranjo e Joana Santos

2010/2011





 



A SIDA afecta milhares de pessoas, de todas as idades e
nacionalidades. O VIH não escolhe o sexo, o estado financeiro ou a
religião. O critério de escolha deste vírus é simples: Afecta os que
não se protegem.

Para o bem da tua própria saúde, da tua comunidade, sê
responsável nas tuas escolhas, porque muito embora te
afecte a ti directamente, vai acabar por prejudicar os que
te rodeiam.




Capitulo I – Março de 2011

Aquela sensação repetitiva, que eu bem conhecia voltou a percorrer todo o
meu corpo. Senti-a formar-se na ponta dos dedos, ascender através dos músculos e
tendões. Navegou pelo meu peito até se instalar por momentos no meu coração. Sabia
que aquele momento seria o mais doloroso, apenas superado pela total certeza de que
morreria em breve.

No meio de todos os gritos que não pude conter, não consegui aperceber-me
da entrada das enfermeiras que agora se encontravam em meu redor. Apenas quando
a efervescência dentro de mim amainou consegui tomar sentido no mundo, e em tudo
aquilo em que eu não estivesse incluído.

Enquanto uma das enfermeiras prendia com força os meus ombros, obrigando
o meu corpo a permanecer deitado, a segunda chamava, num tom alto e profissional,
por um médico que poderia dar-lhe autorização para me medicar.

Era mais uma batalha. A minha vida nos últimos anos havia sido uma constante
guerra, onde soldados guerreiros combatiam em diferentes lados, lutando ambos pelo
meu corpo. Estar vivo, neste momento, apenas provava o quanto já tinha lutado. Mas
aguentar durante centenas de dias de dor, que uma pessoa saudável resolveria com
medicação banal, era algo ínfimo e suportável, quando comparado com a ideia de uma
morte lenta e degradante.

No entanto, esta era a minha realidade, a minha pequena realidade.



Capitulo II – Março de 2011

Sete mil e duzentos e trinta e quatro segundos após as enfermeiras saírem do
quarto, obviamente depois de me darem a medicação, eu encarei finalmente a porta
de madeira clara que estava, como sempre, fechada.

Era-me estranhamente fácil criar uma imagem da vida que tinha antes,
demasiado fácil até. As memórias vinham involuntariamente, mesmo que eu não
quisesse ter acesso a elas. Por um lado, desejava apenas poder bloqueá-las, deixar de
pensar, para que dessa forma não me desse conta da realidade. Por outro lado,
serviam como porta de emergência sempre que precisava de me recordar que já havia
tido vida antes disto.

Fazia já alguns anos que descobrira o vírus, mas apenas á alguns meses é que
ele se manifestara.


Recordo-me perfeitamente do médico que me comunicou o meu estado. Era
daqueles homens altos com cabelo ralo e uma gargalhada sonora, porém naquela
altura ele não se mostrava nada feliz. Explicou-me que o VIH invadira o meu corpo e
que naquele momento eu apenas portava o vírus. Eu tinha 21 anos, um futuro
brilhante á minha frente, que rapidamente se tornou nebuloso perante a nova
realidade que me abrangia.

Fui ensinado a lidar com o vírus. Modifiquei os meus hábitos. Não bebia, não
fumava. Restringi o meu grupo de amigos a dois ou três indivíduos. Mesmo não tendo
SIDA, todo o cuidado era pouco, sabendo que o vírus podaria acordar a qualquer
momento.



Capitulo III – Setembro de 2010

Acordei com o cheiro do éter, facto esse que me causou sensações estranhas
ao inspirar. Tentei erguer o corpo, da cama onde me encontrava, sentia os músculos
entorpecidos, como se um camião me tivesse passado por cima. Limitei-me, então a
rodar a cabeça para o lado.

Paredes brancas, sem qualquer decoração. Havia ainda uma janela fechada do
meu lado direito. As persianas estavam praticamente cerradas, escapavam apenas
algumas brechas de luz, responsáveis pela iluminação da divisão.

Fui obrigado a parar os meus pensamentos com a entrada de um médico alto,
corpulento, com o cabelo impecavelmente penteado. Olhou para mim por um breve
momento, para logo de seguida dirigir-se aos pés da cama de onde retirou o processo
médico, que certamente seria meu.

Observei os seus movimentos ao pormenor e quando, finalmente, ergueu o
rosto e me encarou, a esperança que ainda guardava, a possibilidade de isto ser
apenas um sonho, tornou-se nula.

“Como se sente?”, a voz do médico quebrou o silêncio. Pigarreei, tentando
encontrar a minha voz. “Bem, com o corpo um pouco dorido”. O médico suspirou.
“Pode, por favor, dizer-me de uma vez porque estou aqui?”, perguntei friamente. “A
SIDA surge com o despertar do vírus VIH, foi isso que lhe aconteceu” , respondeu o
médico, de forma cínica.

SIDA. Sabia que tinha o vírus. Sabia que isto poderia acontecer. Mas nada do
que ouvira me poderia ter preparado para este momento.






Capitulo IV – Março de 2011

Tinha a minha sentença escrita á vários meses. O meu destino estava traçado,
só faltava saber quando seria cumprido. Era uma questão de dias, talvez uma semana
chegasse, para que o meu corpo sucumbisse a todas as lesões contra as quais lutava há
demasiado tempo.

E seria assim. Eu não o negava, aceitei o meu destino de bom grado embora lá
no fundo estivesse zangado. Não por morrer, mas por saber que se tivesse tido mais
cuidado, se tivesse sido mais cauteloso, talvez não estivesse a narrar-vos esta história.



FIM

Sem comentários:

Enviar um comentário